domingo, 29 de junho de 2014

Seleção canarinha, tico e teco e Le Cheval

A seleção canarinha entrou em campo. Não precisou de muito tempo e o adversário já danava-se nervoso a assistir a bola girar. Quando assistimos ao mágico, primeiro ficamos aturdidos com a audácia dos baralhos, que somem sem razão; depois tudo fica pior, porque teimamos em querer explicar o sumiço; e é em vão.

A seleção canarinha é também assim. Joga escondendo coelhos: os adversários querem o que vai na cartola, mas, não conseguindo, ficam como meninos emburrados, sem a bola. E aí ficam permitidos a perder.

Depois que é dada essa permissão, e o placar ainda é zerado, a bola cansa e pede rede. Essa coisa de rodopiar é bem espanhola; gira, gira, fica tonta e vai embora. Com a seleção canarinha é diferente. O passe não é brincadeira de pião, mas dança com objetivo definido: muitos aplausos no salão.

Olhem o passo do camisa 10. É certo que jogador mata a bola no peito quando dá. Mas o craque, não. Ele doma quando bem quiser. Foi assim a primeira grande arte que me recuso a chamar só de gol. Gol é o que faz o buraco da grama, que desvia a bola depois de chute acidental de jogador qualquer.

Craque pede por outro vocabulário. Bola envolvida nos lençóis de duplo peito: primeiro o do tórax, depois do pé. Esse é o caminho para que durma nas redes. E o sono é melhor quando tem a trave - é um beijo de boa noite. Anoitecia e era 1x0.

Volto aos espanhóis. Poderia deixá-los quietos. Mas foram campeões do mundo e merecem mais aperreios. Tico e taca, teco e tico, tuco e toca, sei lá como chamam o futebol por lá. Tentando decifrar o apelido que inventaram, passam quatro anos de cronômetro; nem acho no dicionário, nem sai gol nenhum.

Mas com a canarinha é diferente. Os toques são tão bonitos porque têm destino certo. Se recorresse ao meu Casio, marcaria menos de dois minutos de passe; mas quando o gol saiu, queria que tivessem durado o intervalo das copas. Golaço deixa um sorriso no rosto e uma saudade antecipada. Fez-se 2x0. Mas fez-se também um amante do futebol bem jogado homem lesado; sorrindo no sofá com todas as razões.

Quem dera eu poder dizer que falei sobre a seleção brasileira. Canarinha foi a Colômbia. Sobre a nossa, basta breve resumo. Lembram o tênis Le Cheval (acendia quando pisávamos)? Pois bem, nossos jogadores têm chuteiras com a mesma tecnologia, mas com defeito: ao invés de acenderem as luzes, dão choque.

Chile merecia vencer; mas Júlio César fez acordo com donos de barraquinhas de fogos e prosperou. Minha cadela não gostou, nem eu. Ela tem medo de peido de velha, palitinho, rojão. Eu, pena do futebol: seleção pentacampeã não pode ter ataque que, em jogos decisivos, prefere o silêncio de uma arquibancada quieta. Esperemos as quartas - cantará a canarinha que for verdadeira.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A culpa é das estrelas, não da vaca

Minha namorada me arrancou ao cinema. O filme, “A culpa é das estrelas". Eu não queria assistir, porque já sabia tratar-se de coisa triste. Mas fui e vi. Durante ele, me perguntava desde quando eu era tão menina.

A garota do casal é do tipo mulher mais linda de todos os tempos. Com tubinhos e tudo mais. Tanta mulher se preocupa com o formato do brinco… Mas ela é linda, mesmo que de hospital. O rapaz, me nego a elogiar a feição - só digo que é risonho de tudo; não sei se é por isso, mas ela gosta dele. Assim, tudo fica bem falado. Triste é que os dois têm câncer.

Voltemos para a minha meninice: sempre que os dois se envolviam em algum tipo de carinho e eu, sabedor das condições descritas na história, e lembrando da minha, danava-me a querer chorar. Inventei, então, um artifício. Era assim: eu mentalizava uma vaca no pasto. Uma declaração de amor? Vaca no pasto. Um olhar apaixonado? Vaca no pasto. Sequer uma lágrima brotou dos olhos; seja do esquerdo, ou do direito. Me sentia um homem de verdade.

Não é que dê vontade chorar por uma sessão da tarde. Só que o que vi não é uma novelinha clichê. Foi um lembrete para minhas emoções desordenadas. Porque emoção é assim: uma vez dispostas fora do lugar, nunca mais têm as gavetas arrumadas. É furacão dentro de si. Mas há quem dome tudo.

Lembrei de uma cena em que a vaca no pasto não foi suficiente. Diante do prenúncio do choro, quando quase derramava, fui maroto - sapeca, ou qualquer outro adjetivo brega que sirva à frase - e pus um mugido na imagem. Vaca no pasto mugindo! Era, de novo, homem de verdade.

Foi com esse esforço que fui até quase ao fim. Percebi um filme sobre coragem. Digo, coragem não, porque é forma masculina e menor que outra virtude. Mulher tem em sua forma temperada: coragem de mulher é esperança.

Anne Frank disse, em 25 de março de 1944: “A gente não faz ideia de como mudou até que a mudança já tenha acontecido. Eu mudei de um jeito drástico, tudo em mim é diferente: minhas opiniões, minhas ideias, a visão crítica. Por dentro, por fora, nada é igual. E posso acrescentar com segurança, já que é verdade: mudei para melhor.”.

Eu tinha lido o melhor diário alemão, sublinhado esse parágrafo. Não tinha como não me envolver com a personagem do filme. A qualidade de uma história depende muito da nossa: se é mamão com açúcar ou não, não importa. Bom é reconhecer-se, de alguma forma, no que ela narra. Vi nela, em mim, um tipo de mudança.

É uma bobagem isso de homem não chorar em filme de amor - ou de esperança. Bobagem maior é não poder chorar em filme de adolescente. Viver é acumular memórias; o que nos torna frágeis. Mas se fui capaz de elogiar a coragem, adornando-a, para adequá-la ao valor de uma mulher, por que deveria ter vergonha do choro, escanteando-o, como fosse coisa proibida aos homens?

Perto dos créditos minha querida vaca no pasto foi embora. Abri mão de outros artifícios - bezerros de patins ou cisnes puladores de corda. Chorei, como bebê que pede. Antes eu teria vergonha. Mas sou emotivo mesmo. E minhas qualidades de homem nunca foram comprometidas por causa das lágrimas. Acabado o filme, sai ganhando: um selinho dela na sala escura.

terça-feira, 24 de junho de 2014

A Copa dos olhos fechados

Um jogaço: Uruguai contra Itália. Gente de todo globo chegou por aqui para assistir esse tipo de duelo. Nas arquibancadas, holandeses, gregos, iranianos. Mas não há japoneses. Na Rua da Aurora, há latinhas de coca-cola pelas calçadas e os nipônicos ainda não terminaram o trabalho. Vão perder o vôo, mas em suas sacolas já tem muito lixo recolhido das ruas.

Passemos para as oitavas. Digamos que haverá um Brasil contra Holanda. Até Tiger Woods, que só sabe mexer no taco (ou nos tacos), aportou por aqui. Comprou a camisa da seleção canarinha e torce na arquibancada. Num jogo desses, bom é fazer parte do povão. A festa é maior.

Mas não comemoram os japoneses. Ainda não. Há no chão da rua do futuro panfletos da Riachuelo, da TIM, de churrascarias em promoção. Essa sacola plástica é mesmo uma maravilha. Melhor que as ecológicas vendidas em supermercados, mesmo sem ter gravuras de Tarsila do Amaral. O povo de olhinhos puxados não a deixa em casa.

Chegou a final: Brasil avançou; Argentina também; o maior clássico da história do futebol; no país da pelada. Tenzin Gyatso, o décimo quarto dalai-lama largou o seu mosteiro. Cansou dessa coisa de beber chá das duas; das cinco; das oito. Meditando, concluiu: melhor que ver as folhas planando é estar bem acomodado no Maracanã.

Uma pena: no templo do futebol, não apareceram os japoneses. Perceberam haver na escola municipal muita coisa para limpar. Pedaços de giz no chão; pedaços de cadeira também. Até os professores deixavam seus pedaços pelos corredores. Mas japonês é gente paciente. Terá Copa em 2018. Irão prontos com suas sacolas. Só esperam que aconteça em um país mais limpo.

sábado, 21 de junho de 2014

Messi, cassino e cabelo enfeitado

O time de conjunto razoável e um gênio: eis a seleção argentina. Depois da segunda rodada, ainda é prematuro dizer. Pode ser que tudo mude. Claro, ainda há muitos jogos. Mas a Argentina anda mal e Messi, pela segunda vez, salva.

A Copa do Brasil, se continuar assim, é um tipo de Copa. Como foi a de 86 para Maradona; a de 94 para Romário. Nunca concordei quando afirmam ser um jogador o ganhador de um torneio. Mas não dá para negar. Eu entendo. Em uma aposta, basta que se diga: fulano vai jogar. Sendo ele um dos melhores da história, é suficiente. Depositaremos toda a nossa sorte em sua vitória.

Não dá para deixar todo meu dinheiro na mesa. O risco não compensa, ainda. Mas se as coisas continuarem como estão, meu bolso começará a coçar. Nós temos Neymar, com brilhantina no cabelo. Mas do outro lado, eles têm um outro franzino, com todo talento do mundo em um pé só - o esquerdo. Essa, meus amigos, pode ser outra copa de um mesmo tipo. Copa de um homem só. Ele é Lionel Messi.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sobre o latim no judiciário

O latim deve ser banido do judiciário. Juízes, servidores e advogados enchem decisões e petições de termos estranhos aos clientes. A função do poder público é resolver problemas, não obscurecê-los por língua caída em desuso.

Julgo procedente in totum, escreveu o servidor-chefe em seu gabinete. Mas ao pegar sua decisão, Pedro, que sequer completou o ensino médio, mal sabe dizer o que é procedente. In totum, cogita até que perdeu a causa e pode ser preso.


Mas se Pedro mal saber ler, não entenderá muito bem o mais claro dos textos, certo? Corretíssimo! Mas por que torná-lo menos compreensível? Clareza, transparência e simplicidade. Essas e outras devem ser as ferramentas usadas por quem serve ao povo.


Judiciário não é academia brasileira de letras. Falei do latim, mas poderia estender o argumento contra todos os termos técnicos e palavras vistas apenas nos livros do Guimarães Rosa. Órgão público não é palco de desfile de servidor, vista ele camisa de algodão ou terno Ricardo Almeida. Poesia tem lugar próprio. Fora dele, é vaidade declarada. O funcionário, antes de escolher a função, deve conhecer bem a cathedra que irá ocupar. Viu? Pouparei o trabalho: quer dizer cadeira.