quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Eu estudava quando ouvi os passos curtos e rasteiros da minha Vó. Com andar de guerrilha, bateu à porta do quarto. Ela vinha sorrindo. As mãos cobertas por um prato de pudim recém cozinhado. Disse: "Olha, meu filho, já fiz, viu", como um escultor a descortinar sua obra. Eu sorri, pela delícia do doce e pelo caldo derramado. Meu chão estava em pingos de algo que, por ignorar, chamo de caramelo. 

Mas, como ficar com raiva? Ela é só uma criança amando um filho. Quer dar agrado aos instantes. Pouco depois, interrompeu à porta novamente. Dizia que iria, finalmente, quebrar o porco onde guardava moedas há alguns meses. Na verdade, uma vaquinha pintada. Ela disse isso como uma menina que anuncia o ganho de uma boneca de enfeite, ou de brincar.

Como é cru o corpo da gente. Descontrolado, aos idosos, lança olhares de vergonha e pena. Ora, pela fraqueza dos ossos? Pelo apagar da consciência? Contra o vencedor que rompe a vida, derrotando o tempo? O idoso é um conquistador de dores saradas. Alguém que dobrou ao chão as pernas cruéis da vida. Ainda assim, após tantos anos, traz de volta o jeito puro da infância...

Quem sou eu, com a paciência em falta? Vejo na minha Vó o quanto fui injusto tantas vezes. Eu, em construção, achei que tinha na cintura a razão armada. Mas ela, tão calma e frágil, disse com o silêncio da face o vazio que eu tinha. Minha Vó, indo à desordem da fala, com as letras dissolvidas na memória, disse o que eu precisava. 



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