(Guy Le Querrec)
Aquele ali é um homem vazio! Depois desse julgamento, feito por um estranho que passava na calçada, a vida de Antônio nunca mais foi a mesma. Há cinquenta e quatro anos, ninguém sorria pra ele.
Vez havia que parava em seu sofá, mas não descobria as razões de sua fortuna. Nenhum vizinho contou, pelo outro lado das paredes, telefone ou carta enviada. As pessoas temiam um tipo de contágio e mantinham distância.
O delegado chegou a ensaiar uma obra. Motivado pelo povo, traçou os planos em sua mesa. Mas nada deu certo. Os policiais se recusavam a chegar perto daquela casa. A população cedeu, porque covarde. Restava pedir aos céus que a casa de Antônio sofresse a escolha de um desastre.
Deuses não deram ouvidos. Um intelectual até chegou a dizer que Deus serve pra roubar nossas esperanças, só pra seguirmos leves pelo caminho da morte. O dono do bar retrucou. Disse do outro lado do balcão que Antônio morreria de fome, porque há muito não saia à feira. Nem ninguém entregava comida.
Assim aconteceu. Caiu o seu esqueleto na sala. Outro problema social: quem haveria de enterrá-lo? Mas não houve tempo para o mau cheiro. Por sorte, o coveiro da cidade era a única pessoa estranha dali.
Ele tinha gosto pelo ofício, acima de tudo. Buscou o corpo logo que soube, como prêmio conquistado. Jogou no túnel cavado. Preencheu Antônio de terra e descansou sua pá no ombro. Ainda nesse dia, o coveiro, ao voltar da jornada, tornou-se rei. Para aquele povo, ele era o único capaz de preencher alguém com vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário